Monday, 31 August 2009

[31] O Tambor rotativo

Não há nada de mais em viver uns momentos no torpor de uma bebedeira mas não é normal vivê-lo na sequência dos dias. Talvez devido à rarefacção do ar que respiram lá dentro ou por causa da alimentação rica em criaturas estranhas ou, por último, devido aos níveis perigosos de insanidade os exploradores assumem aquele festim profano como as suas tripas. Bem vistas as coisas, viver no torpor todos os dias era já uma constante nas vidas daqueles indivíduos não fossem eles enterrar-se pelo seu próprio pé naquele profundo infinito.

Javier por exemplo desistiu da sua vidinha, essa moléstia precisa e mecanicista, sem arte, sem ar e sem tempo para a arte e para o ar, por se sentir equivocado com os propósitos para os quais foi formado e formatado. Só tempo para a vidinha, um chão cheio de coisas novas e velhas que prendem tudo o que lá passa.
Há pessoas que se conformam com isto aliás, vivem convencidas de que a sua luta vale alguma coisa não passando contudo de uma corrida num tambor rotativo ou seja, vivem como ratos numa gaiola alimentando-se, correndo na grande roda e cagando tudo à volta, e levando com a sua própria merda em cima quando esta e o seu dono se encontram em posição de antípodas.
Mas também há outras que não estando preparadas para dar o salto dessa roda desenvolvem uma estranha forma de autismo que lhes permite anuir a todos os rituais da civilização passando no entanto despercebidos. Não é fácil já que têm de ter sempre pronta uma resposta ou um reflexo apropriado.
Há por fim os terceiros, aqueles que saltam da roda assim que podem, tornando-se por conta em risco nos chamados artistas alienados.
Voltando ao Javier, ele sabia que não havia forma de resolver essa sua alienação sem romper em definitivo as escoras daquele chão. E foi o que ele fez num belo dia depois de uma conversa sobre os pampilhos [15].

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