Thursday 15 October 2009

[33] A aparição do porco dos túneis

A festa estava a correr bem. Por fim abstraíram-se daquele buraco profundo que agora era seu habitat.
Foi então que surgiu uma nova figura na entrada da galeria, movimentando-se rapidamente na direcção do grupo. No meio daquele torpor, uma descarga de adrenalina produz um efeito brutal nas sensações dos convivas. Ao ver a criatura a aproximar-se desenvolveu-se neles um sentimento de fúria e agressividade.
"É o porco dos túneis" depararam-se com um ser com metade do seu tamanho e com uma carapaça estranha de onde sobressaiam uns dentes ensanguentados.
"Está a dizer qualquer coisa"
"Não. Aquilo são grunhidos. Aquela besta vai atacar-nos"
"Ao contrário dos seres esvoaçantes, este aqui não parece nada amistoso."
Alterado, o moço das tendas pegou numa pedra e avançou a correr na direcção da criatura. Os outros olhavam-no com um terror alucinado. Estes correram atrás dele. Com o calhau seguro nas duas mãos saltou para cima da criatura desferindo um golpe na cabeça da criatura, rebolando depois para a sua retaguarda. A besta caiu para o lado soltando um grunhido estridente. Contudo, restabeleceu-se num ápice e, cambaleando mas decidida continuou a corrida agora na direcção dos outros elementos do grupo, deixando para trás o moço das tendas.
Os outros lançaram-se para cima em grupo, o cigano sofreu o primeiro impacto da besta caindo inconsciente. Os restantes conseguiram imobilizar a besta a muito custo, agora com a ajuda do moço das tendas que desferia golpes na cabeça uivando com uma raiva assassina.
A criatura horrenda está agora aprisionada por um grupo de corpos humanos desprovidos de todo o seu córtex cerebral, outras criaturas horrendas que se batem por uma presa com os seus instintos mais primordiais, debatendo-se pelo último fôlego daquele ser dos túneis.


Limpa a bota, cava na trincheira
Puxa-lhe pela crina
Corta as pinças à centopeia
Poe-lhe uma pedra em cima
Mata a bicha que está bem cheia
Morde-lhe a perna fina
Corta a língua, fura a traqueia
Que ela estrebucha ainda
Se ela assopra cospe-lhe à beira
Dá-lhe c'os pés à bruta
Ninguém topa que é cuspideira
Salta-lhe p'rá garupa
Tanto cavas a cova funda
Que há-de acabar a bicha
Poe-lhe a terra sobre a corcunda
P'ra nao se ver a crista (*)

No fim disto, a besta infernal não passava de uma rês morna e ensanguentada.
"Matámos o porco dos túneis!" Berrou Catarina a tremer de emoção. A adrenalina da acção tornou-os ainda mais alterados.
"Que fazemos com ela?" Perguntou Javier.
"Façamos uma fogueira e assemo-lo", respondeu num tom bíblico o moço das tendas.
"Que se dê inicio ao festim!"


(*) Ailé Ailé, José Afonso

No comments: